sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

TESTEMUNHO

Era hora do encontro com a verdade. Não podia mais fugir. Se subia ou descia pouco importava.
Encontrar uma saída , angariar fundos emocionais para olhar de frente o que acumulava em vida, era o que lhe bastava. No universo paralelo, vidas nunca se cruzam nem ao menos no infinito.
Jantar sobras de um banquete global não lhe eram migalhas, mas tutano necessário no amanhã incerto. A luta não era para um dia alcançar o senso comum, mas para que fosse íntimo do seu próprio sangue.
Fazer parte de um belo quadro social no qual a moldura tem valido mais do que a pintura o inquietava. Ouvira de um Goethe bêbado que nem sempre a melhor decisão é a mais pensada. Vai ver que o abismo foi criado como uma queda pra fora refletido em um trampolim voltado para dentro.
O diálogo de surdos ainda continuava sem voz, morreram todos, renasceu uma dor singela e verdadeira.
Viver não era tão complicado como lhe queriam fazer acreditar.

sábado, 8 de dezembro de 2007

O HOMEM E A MULHER

Viagem longa de ônibus, um homem e uma mulher, por coincidência , sentaram lado a lado. Roçavam seus joelhos em silêncio.
Na verdade, o joelho dele se inclinava ao dela que permanecia estático. Depois de um tempo, foi o cutuvelo dele que encostava na parte delgada da cintura dela . A cintura não era cúmplice dessa história, nem tampouco resistente ao movimento de um cutuvelo em forma de pincelada.
Tempo passa, o ombro dele enverga ao dela se abaixando para ficar na mesma altura. Sabia o homem, que ombros juntos se tocando são quase rostos se beijando.
Ele aprendera na escola que o movimento dos dedos era o que diferenciava o ser humano dos animais. O comando dos dedos é de total controle do seu dono. Portanto, para eximir a dúvida que pairava sobre as intenções da mulher, entrelaçou seus dedos no dedinho dela, como se ali, houvesse finalmente um recado dado, ou até mesmo um bilhete escrito.
O dedinho dela se mantinha impávido, como quem fora envolvido e está se acalentando ou um dedo em que a sensibilidade, a vida teria levado.
Descendo do ônibus, ele a foi levando enganchada em seus braços. Ela não abria a boca. Chegaram no apartamento dele. Havia cheiro de coisas estragadas, discos jogados pela sala, um gosto de ressaca impregnado nas paredes. O homem tirou a roupa dele e tirou também a dela. Deitou-a no sofá jogando as tralhas no chão. Ali eles fuderam. No máximo ela fazia “hum” gemendo sem emoção.
Ele perguntou se podia batê-la , a mulher não respondia, e o olhava num misto de decência e cansaço. Levada desde o começo, até no sexo, vontade e desejo não lhes pareciam importantes.
Ele gozou em sua barriga e caiu ao lado no chão.
Dormiram. Quando a mulher acordou, saiu de fininho, o suficiente para acordá-lo. Deixou um bilhete: não quero mais.
Pela janela do seu apartamento, o homem ainda a viu pedindo “fogo” ao jornaleiro, para logo em seguida cair no sumidouro da multidão. Fechou a cortina, certo de que intimidade é algo que se faz a distância.