sábado, 31 de maio de 2008

NOITE FALADA

Uma noite de rua. Uma noite delegacia. Uma noite algemado. Uma noite desacato. Uma noite flagrante. Uma noite bandida. Uma noite porrada. Uma noite vitória. Uma noite suspense. Uma noite que esgota. Uma noite de marcas. Uma noite de sede. Uma noite de raiva. Uma noite de medo. Uma noite calhorda. Uma noite de grana. Uma noite cruel. Uma noite hierárquica. Uma noite burocrática. Uma noite de sangue. Uma noite de gangue. Uma noite de amor. Uma noite virada. Uma noite grávida. Uma noite. noite. noi..te.no...ite.diii..a. dii..a dia. Dia.

terça-feira, 27 de maio de 2008

IRMÃOS

Foram fazer aquela viagem combinada há 70 anos, quando ainda eram crianças. Naquela época gargalhavam no quarto escuro. Ignoravam a hora de dormir. Abafavam o barulho com as mãos na boca para a mãe não ouvir. Diziam que apesar do que acontecesse em suas vidas, bem velhos iriam viajar juntos. Iriam pegar estrada. Iriam subir uma montanha bem alta no meio do nada para conversar. Lá em cima, iriam contar suas histórias. Iriam silenciar contemplando o horizonte. Só os dois irmãos.
E viajaram. Como duas crianças velhas trocaram sorrisos de cumplicidade. Um era mais de ouvir. O outro, mais de falar. Um mais prudente que o outro. Um mais agitado que o outro. Continuavam os mesmos de 70 anos atrás. Apenas mais velhos. Com a vida passada pelos corpos. Com a pele alarmada por milhares de dias, noites, gostos, verdades e sujeiras. Falaram sobre angústia. Sobre o que não passou de um sonho. Sobre natureza e felicidade. Lamentos e fracassos. Lembraram dos filhos, amigos, futebol, livros, música e amores. Sobre a loucura que é a realidade. Voltaram no dia seguinte. Em silêncio. Pela mesma estrada. Estavam prontos para recolher a vida. Prontos pra morrer sem dor.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

POESIA

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poesiasurrealpoesiamarginalpoesiaclássicapoesiaconcretapoesiaeróticapoesiaromânticapoesiabeatpoesiarevolucionáriapoesiaburguesa.

TEZ

Em relevo,
Revela-me arte,
Vejo a ti, pele branca,
Profundez na superfície.

terça-feira, 20 de maio de 2008

CAMA

Sempre soube que era você. Você dizia que não. Estava confusa. Menina perdida brincando de adulta. Eu sabia quem era você. E lá se foi, altiva, organizar seus brinquedos. Fechou a porta. Dormiu. Eu não pude entrar. Esperei o dia seguinte. Um ano inteiro. Você enfrentou a alegria e anunciou que tinha medo. Navegou até aonde tinha fôlego. Uma praia de areia branca. Lá encontrou um, dois, quinze príncipes encantados. Folhas de Bananeira abanavam seu rosto leve. Sem imposição da vida. Sem uma nesga de dor. Experimentou frutas e comeu os frutos do mar salgado. Temperou o humor e o paladar com vinho. Aí você acordou. E era eu que estava ali do seu lado. Na cama. Pronto para te beijar. Não sabia se era um príncipe ou mendigo. Nem mais eu sabia quem era. Só queria te desejar, te sentir. Levei você para um lugar visceral, imundo.Terreno seco, duro. Desmanche de carros. E lá passamos pequenos apuros. Entramos sem saber a saída. E aí, foi eu quem acordei. E você não estava mais lá. Eu, sozinho, na cama. Acordei de novo, esfreguei os olhos. Nada de você. E fui acordando, acordando, tantas quanto necessárias, procurando jogar fora, qualquer réstia de sonho que insistisse em ficar. Consegui. Sobraram eu e você.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

MELANCOLIA

Melancolia é colírio ardido para o sol de inverno,

Aditivo à tristeza, espreita o feliz vazio,

Conforma redemoinhos às avessas subindo à garganta,

Despede, lá no horizonte, de uma esperança cabisbaixa,

Apoderando-se de fantasias feridas, instante da dor.

sábado, 10 de maio de 2008

Era seu último dia. Acordou e foi ao banheiro. Assobiou canções preferidas, olhando no espelho amarelado, o rosto carregado de espuma. Barba feita, penteou o cabelo e pisou descalço na cozinha. Preparou café, abriu o jornal e lá estava, naquela foto que se achava feio, mas era a única que a imprensa dispunha a seu respeito. O prêmio pela sua cabeça havia dobrado. Achou exagero. Vestiu-se entre poucas e confortáveis escolhas. Tirou da gaveta os 100 reais que ainda restavam e decidiu viver bem por mais um dia. Por respeito ao aposento, deu duas voltas na fechadura e partiu. Abriu a portinhola do bar predileto e pediu o derradeiro prato: arroz, feijão, bife e salada. Palito nos dentes foi pro cinema. Assistiu a um bang-bang. Identificou-se com o coadjuvante que sofria secamente a perda do avô. Fim da sessão, sem pestanejar, parou na taberna para uma garrafa de conhaque. Bebeu sozinho. Cambaleante, a polícia o esperava na porta de casa. Abriu amigavelmente os braços, para melhor desfrute das balas da lei. Morreu sorrindo de uma vida bem aproveitada.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

VIAGEM

O ônibus partia às quatro horas. A mala pesada carregava finalmente um prenúncio de vitória. Relâmpagos espocavam do céu cinzento. Entregou a passagem e foi logo pro fundo daquela podre carcaça. Um livro e a calça jeans surrada, parceiros de mais uma batalha. 5 horas era o tempo da espera. 5 horas, do que há muito importava. Chegou na cidade. Caminhou por atalhos conhecidos. Próximo de casa, parou no bar. Pediu uma cerveja. Lágrimas guardadas correram sujas pelo rosto. Desistiu. Voltou à rodoviária sem dizer "Te amo". Ficou duro demais para a velha esperança vencer novamente.

sábado, 3 de maio de 2008

PALAVRA - APROXIMAÇÃO

Alargar o esboço desapalavrado
Esmiuçá-lo ao fundo
Retirando os fora de lugar
Impregnando sujeito
Torcê-lo
Intuí-lo em quase-palavra
Observá-la por ângulos
Ela, a nós, indescrita
Juntá-la com outras
Entrelaçando,fraseá-la
Procurá-la, desespero da angústia
Ser acolhido
Proteger-se quando abrupta, despenca do coração
Espelho torto d'alma-momento
Possibilidade eu-encontro
Integrando-se a corrente da vida
Aconchego do eterno.