Um filme muito aclamado no Festival do Rio é o documentário "Mulheres Sem Piedade".
Fui assistir ao filme seguido por um debate com o diretor alemão Lukas Roegler.
O documentário trata do tráfico de mulheres nigerianas, de uma cidade chamada Benin, migrantes a carreira de puta na Espanha, Alemanha e principalmente Itália.
É retratada paralelamente a vida de quatro dessas mulheres. Motivadas pela possibilidade de ascensão social, decidem, ou são jogadas para o caminho tortuoso do tráfico humano. Na Europa estão as agenciadoras chamadas de "madames", similares as cafetinas brasileiras. São mulheres nigerianas operando a conexão diretamente da europa para que a imigração ilegal funcione. As garotas passam por condições subumanas durante o percurso migratório e muitas morrem no caminho. 2 anos é o tempo da atravessia até a europa.
A religião "ogum" africana cria um pacto de julgamento nesta conexão em que as garotas fazem uma profissão de fé para que o negócio se realize. O preço desta profissão são as condições que as madames impõem as garotas, criando-se um laço de dependência financeira, territorial e de legalidade que vai torturando as garotas de modo cruel.
Posto os fatos do documentário na mesa, começou o debate com Grabiela Duarte da Daspu ( associação das putas) e Lúcia da Ong Criolla , o Diretor, e um tradutor para o alemão . Gabriela comentou sobre a diferença entre prostituição e tráfico, que a primeira é uma profissão cada vez mais regulamentada e que a segunda, a que pesa na balança, deve ser investigada.
A platéia foi comentando sobre aspectos técnicos do filme com o diretor, até que chegou, minha vez de falar. Apesar de tentar não me auto-centrar, coloco aqui literalmente minha posição pois é o meu país e o sul do mundo que está em jogo:
- Tô cansado destes documentários disseminadores da ideologia européia. De um lado a curiosidade antropológia sobre um povo da áfrica, sobre sua pobreza, religião obscura, povo corrupto e com perversidade ( termo citado duas vezes na película).
Enquanto que a outra parte da moeda, a europa no caso, que tem o dinheiro, a freira ( em uma parte do filme, uma freira italiana condena a religião africana pelas barbaridades), a corrupção dentro da legalidade, apoiado em uma estrutura que dá guarida ao movimento do tráfico humano, nada é dito sobre isso, colocando a responsabilidade total no lado fraco da balança.
_ Ele, como todo europeu, respondeu objetivamente, que não é uma ideologia européia, o filme se atentou basicamente aos fatos das quatro mulheres e quis contar a história delas.
- Respondi que a história foi contada pela metade, somente do lado da oferta (mão de obra) e não da demanda (consumidores) e aí se delineia em cores vivas a ideologia, cabendo a nós agora como terceiro-mundistas retratados desta forma caricata se explicar e como dizia o falecido João Saldanha "quem se explica já sai perdendo."
Como não poderia ser diferente, a frase brasileiríssima do João se perdeu na tradução para o alemão, mas o que vale de tudo isso é a atenção que devemos ter com a aparência de inocente objetividade anglo saxã. Fazer um documentário tem escolhas, recortes, um sujeito ali em expressão.
A ideologia européia não mata galinha como o obscurantismo africano, mas impõe ao terceiro-mundo sutilmente e através de mecanismos legitimadores como um documentário, a idéia de que somos "coitadinhos" precisando subservientemente dos falsos saberes ensinados pelo próprio algoz.
domingo, 30 de setembro de 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário