sábado, 29 de março de 2008

SONHO

Cláudio vende carnê do baú da felicidade. Feito seu chefe , sorri , afaga a dona-de-casa e depois de contar sobre os milhões que ela pode ganhar deixa pro final a cereja do bolo - Sílvio Santos vai ligar para a sua casa agradecendo ao carnê adquirido. A gravação da voz de Sílvio já vale como prêmio. Cláudio tem 22 anos. Não gosta do que faz. Apesar de fazer bem. No caminho até o trabalho fica intrigado pensando que o que vende é sonho. Alivia ao lembrar que é o mesmo que vende o arquiteto, escritor ou o padeiro. Alivia ainda mais ratificando que é o que todo mundo vende. Cláudio só acha que ganha pouco. Aí, o negócio é real.
Cláudio soube um dia que Sílvio foi expulso como camelô e foi tentar rádio e tv. Admira a coragem do patrão além das cores do início de Hollywood nos cenários do programa.
O que não admira é trabalho de garçom. Cláudio implica dizendo que o trabalho é moleza e que ele faria aquilo com os “pés nas costas”. Mal sabia que suas recorrentes faltas para ficar namorando, bebendo no botequim e sacaneando garçom, levariam a sua demissão. Avisou a família que era contenção de despesas do patrão. Deixou a ilusão de Sílvio e do carnê de lado. Ou melhor, foi mudar de vida. Mas garçom ele não ia ser. Preferiu o tráfico. Dinheiro rápido sem ilusão boba. Hoje vende droga no morro que sempre morou. Prá sonhar, comprou carnê dia desses. Se vingou. Desligou na cara do antigo patrão.

sexta-feira, 28 de março de 2008

DOR

Tem uma hora que a dor esmaga em um misto de sangue e carne. O peito de quem está ao redor também é esmagado. O que era vivo está morto. Não há espaço para dúvida. O que começou há muito tempo atrás acabou hoje. Duas crianças ficaram orfãs. O tempo da mãe venceu o prazo. Aqui na terra é assim. É um nasce e morre, nasce e morre desgraçado. Infernal. Ela acordou hoje e se foi, violentamente. Para uma, que ninguém sabe qual é.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Realidade Ilusória

Tudo é tão estúpido. Tudo é tão covarde. Não poderia ser diferente. Há uma máquina indestrutível: A Vida. No meio de tudo isso sai um sorriso. Como assim? A multidão fala sozinha. Pessoas enlouquecem passando-se por "normal". Viver é ilusão. É sonho. Sem ilusão, tudo acaba. A ilusão de peitos e bundas. A ilusão de juntar dinheiro e deixar para os filhos. A ilusão de viver o que viu no filme ou leu no livro. Enquando houver ilusão, há vida. Esperança, morreu de velho.

quarta-feira, 26 de março de 2008

TV GLOBO

Moro perto da TV Globo. Isso me envergonha. O Pedro Bial mora quase em frente de onde moro. Me envergonho ainda mais. O símbolo da Globo me dá nojo. A Globo é uma máquina ideológica que desde os militares lava o cérebro dos brasileiros. Isto não posso tolerar. Como o poder está do lado da TV há grande chance de eu ser chamado de radical, extremista. Mas foda-se, moro nesse lugar porque a minha mulher já morava aqui e tem natureza prá caralho. Se eu pudesse jogaria uma bomba na TV Globo. Mas sou covarde e não tão radical e extremista como gostariam.

domingo, 23 de março de 2008

AMIGOS

Há um diálogo tenso no Bar. Pouca luz, madrugada. Homens e Mulheres esgarçam a alma à procura de suas existências.
Oscar e Adauto são homens à beira dos 40 anos. Com a pele talhada e olhos cansados descobriram na vida que tempo é um negócio sem sentido e o que dói é do tamanho da dor.

Oscar: Parece que a gente tá sempre se preparando para o amanhã? Só não sei a mando de quem?

Adauto: Cara, fica na tua. Te conheço há 25 anos. Onde é que tá tua veia? Teu sangue tá escorrendo prá onde? Toma esse conhaque. Somos amigos e por isso, você conhece minha vida. Sabe que não acredito em jardim florido, mas você tá querendo se ferir com faca sem corte.

Oscar: Porra, tá uma puta barra para mim. Problemas prá caralho que existem mais ainda os que eu invento. Não tô conseguindo sair dessa.

Adauto: Tua dor é solitária! O fogo que te consome é egoísta e não adianta atacar o pior inimigo que só vai piorar.

Oscar: Só não entendo como tu consegue ainda ter esperança.

Adauto: Esperança, não! Faço meu trilho cheio de barreiras, também não acredito nessa porra toda! Tô triste...minha mulher me deixou

(Silêncio)

Oscar: Vocês sempre se amaram.

Adauto : Amei, você bem que disse. Amor foi feito prá quem é forte. Não para mim!
(Chorando)

Oscar abraça o amigo pelo pescoço e também chorando diz:

Oscar: Viver, na real, é uma ficção de merda.
(chorando)

Adauto: Todos os problemas acabaram. Só sinto a falta dela. Vou embora, Oscar. Só saio de casa agora se for para chorar.

Oscar : Vai nessa Adauto. Te considero prá caralho. Fico por aqui, esperando o amanhecer prá ver se o tempo muda de vez.

terça-feira, 18 de março de 2008

RESPEITO EM VIDA

Vejo na padaria pela manhã, apresentadores na tv fazendo jogo babacas, conversando imbecilidades, sorrindo para as câmeras. O que mobiliza essas pessoas a este papel deplorável?Dinheiro não, pois recebm cachês altíssimos ganhando o que precisam e o que não precisam. Necessidades de sucesso, poder? Talvez.
Acho que assim como aprendemos a amarrar o sapato ou comer de garfo e faca ,deveríamos desde pequeno ter uma pergunta óbvia e direta em nossas mentes: " Quando eu estiver morto, como você quer ser reconhecido?" Se a resposta condizer com seu atos diários, maravilha. Não há juízos de valores sobre tais atos, quaiquer que sejam,mas a pergunta deveria ser feita.

TRABALHO SEM ROSTO

Carregando com seu próprio corpo, tábuas ou cartazes de propaganda, alguns seres humanos no centro de sp ou rj, atingem um dos graus mais altos da degeneração humana.
São anteparos, apoios, para que alguma coisa seja vendida,comercializada. Estas pessoas não devem aparecer, de preferência, devem ficar imóveis. O movimento do sujeito atrapalha o objeto. Ser sujeito compete neste caso, com o verdadeiro protagonista da história: o objeto.
Menos evidente, não seria isso mesmo o que grande parte dos trabalhadores fazem diariamente?

SINCERIDADE

Não podem as pessoas fracas ser sinceras. Isso não é meu. É do La Rochefoucault. Mas poderia ser de qualquer um. Sinceridade sem vaidade é aprendizado. Pessoas fracas precisam se esconder. Pessoas fracas precisam ser fortes. Sinceridade não se compra na farmácia, muito menos é matéria de escola. Sinceridade é coisa para não se pensar. Quem pensa joga. Quem joga, quer vencer. Sinceridade é singular. Não se compete, não se ganha, se aprende.

domingo, 9 de março de 2008

QUE PAZ?

Ela tinha 27 anos. Foi assassinada quinta-feira as 22:30 na favela Cidade de Deus enquanto lavava o uniforme de escola da filha. Recebeu dois tiros fatais de policiais com suas miras caolhas. O alvo eram outros. O alvo é a morte patrocinada pelo governo de Sérgio Cabral e sua polícia assassina. Uma polícia que mata mais do que um carandiru por mês nas favelas sob o silêncio soturno carioca. O Estado tem o monopólio da força. Questão de droga é questão de saúde. Vidas são ceifadas dia a dia em um combate vão contra as drogas. Só restam contas, números , estatísticas comparativas, gráficos. Precisam morrer quantos mais para perceber que a luta contra o tráfico é uma luta tola, insana que não acaba nunca se for tratada com força. Para a sociedade que pede paz, saiba que ela só vem com educação , saúde e amor. Paz é consequência e não princípio. Se a polícia continuar com estratégia de guerra, a paz tão pedida é discurso vazio pelas praias de ipanema. A não ser que a paz seja alcançada dizimando a população do morro. Aí é questão de nomenclatura e eu tenho um outro nome para isso.

Desse Jeito

Gosto de ler e escrever cedo no bar. Super Burguer na gávea ou Calamres no Horto são alguns deles. Sartre tinha esse prazer. Tem uma molecada que sai da escola e está sempre lá. É um sacaneando o outro. É bom ficar ao fundo olhando a esquina e o movimento do bar. Bares que tem o preço justo e o público honesto. Também aprecio preço honesto e o público justo. Ganhei uma grana trabalhando muitos anos em algumas empresas. larguei tudo. Tenho 33 anos. Essa grana dá pra viver mais um tempo sem trabalhar. Viver vagabundeando pelas esquinas. Logo volto a fazer alguma coisa que me dê tesão. Adoro arroz e feijão. Sem frescura. Fiz faculdade de economia. Papilto sobre o assunto. Acho que assim mesmo que todos fazem nessa área. Acho um saco me apresentar linear como economista, hetero,moro no rio de janeiro. Se é para rotular, prefiro como um cara sem memória, que gosta de sexo, leitor de Goethe e Allan Sieber e tô sempre do lado do mais fraco.

sexta-feira, 7 de março de 2008

VELHA CRIANÇA

É que o menino se distrai e vira homem;
O sonho antes sonhado, agora vai ser desenhado;
A mãe retira as vestes de deusa;
Assume contornos de mulher;
Assim, a velha criança vai crescendo;
Encontrando ainda mais perguntas sem respostas;
Colocando outra vez aquela camiza azul desbotada;
Brinca sozinha com seus mundos interiores;
Mas hoje há no peito, uma dor de ilusão.

terça-feira, 4 de março de 2008

MÂE

Leio A Mãe de Máximo Górki. Que mãe corajosa. Lembro da minha mãe. Uma mãe que tem a esperança dentro dela. Uma mãe que faz o que pode e o que não pode pela família.
Uma mulher bonita que vibra com os menores ganhos que a vida lhe proporciona. Uma mulher de fibra que não desiste de nada facilmente.
Um dia, eu era pequeno, vi minha mãe arrumando vários presentes de natal para as ajudantes que cuidavam do meu avô já debilitado e também contribuiam para a ceia. Ela não ia gostar de ver toda a família classe-média trocando presentes e não as ajudantes. Ela nunca fez distinção alguma. Tem a sensibilidade de olhar para o outro. Aprendi generosidade com ela.
Um verdadeiro beijo para a minha mãe. Ou para a Bãrby. Tanto faz...Ela entende.

sábado, 1 de março de 2008

Americanos Brasileiros

A fumaça do café sobe pela xícara. A guitarra distorcida de Jeff Beck procura a alma.
Voz ao fundo de uma loura criança conversa com bonecas e sonhos.
Somos Brasileiros, somos América também.
Quadrinhos de Robert Crumb desnudam com humor adulto os fantasmas interiores.
E assim o sábado vai passando no Rio de Janeiro ou em Cleveland.
A chuva escorre pela janela e o clima cinzento sem barulho anuncia uma mansidão levemente entristecida. A vida não são flores e nem foi a maturidade que chegou.